31/12/2017

Ano novo em tempos deveras esquisitos

 
Mais um ano, 2017. Para mim, pessoalmente um ano bom, de realizações no Centro Brasil no Clima e no Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Um ano em que também fiquei contente de não estar mais na política eleitoral/parlamentar/partidária. Se estivesse não teria como escapar de um intenso sentimento de frustração com pontadas de nojo e exasperação. Não consigo ver por onde poderia estaria verdadeiramente contribuído, me sinto totalmente desajustado em relação todas tendências dominantes do momento. Gostaria de estar ajudando a construir soluções para o Rio e para o Brasil mas, atualmente,  não há espaço para tanto. Não há caminhos para o construir plural, baseado em entendimento, nas boas ideias, nas parcerias, nos diálogos entre diferentes. Alianças amplas em torno de objetivos comuns, fora do imediatismo, do exibicionismo e da demagogia. 

 Acredito que uma oportunidade assim ressurgirá em algum momento, no futuro. Atualmente não vislumbro. A hora não é essa. Não é o vento que sopra no Brasil (nem no mundo). É preciso cultivar a a paciência e encarar tudo isso como uma tempestade cheia de som e fúria, significando um nada que vai acabar por passar. Vejam, mantenho meu proverbial otimismo!

  Por agora, sopra um nauseabundo vento neo anos 30. Polarizações patéticas como eram as  fascismo versus stalinismo só que bem mais pulverizadas: os aprendizes de feiticeiros do Vale do Silício com suas redes sociais --e algoritmos, supostamente libertadores—potencializaram o “identitarismo” tribalista e sectário. Empoderaram uma legião de energúmenos.

 O discurso “politicamente correto” e seu oposto simétrico espalham pela sociedade uma postura de total intolerância onde a meta não é mais buscar pontos de convergência para transformar a realidade mas “colocar-se”, “afirmar sua identidade” da forma mais agressiva e excludente possível. Subdividir-se cada vez mais em tribos, sub-tribos, sub-sub-tribos cujos objetivo, objetivamente falando –perdoem o pleonasmo—não é uma transformação mas um auto-afirmar raivoso e excludente: essa é minha identidade,  foda-se o resto. Isso se dá na esfera política onde estratégias desse tipo, supostamente “de esquerda” formaram um caldo de cultura para a ressurreição de uma extrema direita regressiva e não menos tribalista e sectária e que não tínhamos no Brasil há mais de 40 anos.

 Aliás,  esse tipo de tribalização  campo ideal para a proliferação da extrema direita em cuja natureza está a afirmação de superioridade  racial, étnica, ideológica, nacionalista, localista. A esquerda deveria ser, supostamente, multirracial, geleia geral, tolerante, internacionalista, plural. Pois não mais  e cada vez menos.

 Vemos essa dinâmica na polarização “coxinhas versus mortadelas” no discurso sectário petista e antipetista na internet. Atualmente,  a direitona tem saudades da ditatura e boa parte do PT (e contingentes mais à esquerda) lamentam não ter seguido mais o caminho chavista. Sua presidente Glesi,  aliás,  apoia Maduro, o liberticida. Pode isso??? 

 Já a grande mídia e as instituições persecutórias que ela promove, sem nenhuma cautela crítica,  se arvoraram em forças revolucionárias que estão “limpando” a sociedade. Aí também cabem cautelas pois há um jogo de poder e uma manipulação do “indignismo” exacerbado que pode terminar muito mal.

 Evidentemente, foi fundamental desmantelar as máquinas organizadas de saque aos recursos públicos e o fim da impunidade de uma elite politico-empresarial. A partir de certo ponto, no entanto, é preciso olhar com cuidado onde  irá mais adiante porque a guilhotina tem esse jeito de criar vida própria e virar um fim em si mesma.

 Ademais, não basta desmontar os esquemas políticos podres, é preciso suscitar novos, os diferentes, os honestos e isso absolutamente não se vê no horizonte. Na atual dinâmica nada estimula o surgimento e a afirmação de um outro tipo de política ou de político. O nosso vai-bem-obrigado sistema eleitoral suscita esse tipo de representação que  temos e não há como escapar da evidência que certo tipo de político é reflexo fiel de certo tipo de sociedade e que mudanças culturais demoram.

 O entendimento de como pode se dar uma transição a partir das representações altamente imperfeitas (mas pressionáveis) que se tem é algo que elude totalmente os arautos do novo Santo Ofício. Se formos dividir os políticos atuais entre os que tem, primordialmente,  ética e espírito público e os que estão lá para fazer carreira e negócios ficaremos perto da faixa dos 20% versus 80%, até onde vai minha observação da política brasileira nos últimos 30 anos. 

 A questão é que essa divisão não se dá apenas entre os indivíduos em questão mas passa pelo interior deles.  Há entre essas pessoas um contingente considerável de “reeducáveis” que têm algum ideal, algum espírito público mas que por terem a vida toda ouvido dizer que “política é assim mesmo” “é assim que as coisas são feitas” são tijolos dessa imensa construção clientelista, assistencialista, fisiológica e corrupta que é o main stream  da política brasileira. Persegui-los, simplesmente,  não resolverá o problema. Afastá-los sem devido processo legal ou por “crimes eleitorais” absolutamente generalizados, caso viável, ao fim ao cabo, tenderá a promover  o atual “baixo clero” provavelmente uma representação ainda pior, com vínculos com esquemas ainda mais tenebrosos.

  Mas pode haver renovação, em 2018? O ano não começa bem. A dinâmica, no momento, parece apontar para uma renovação...menor que a de 2014! A solução moralista de acabar  com (e não limitar)  as contribuições eleitorais legais de empresas e o reforço do financiamento público às campanhas teve como consequência fortalecer, mais ainda, os caciques donos de partido e os atuais detentores de mandatos. É a famosa “lei as consequências inesperadas” à  qual os arautos do moralismo militante deveriam estar mais atentos. 

 Vejo com interesse certos movimentos jovens em prol da renovação política mas temo que ela se circunscreva aos mais ou menos 20% de eleitores do voto urbano de classe média. Espero sinceramente estar equivocado.

E a economia, estúpidos?

 No que diz respeito à economia me dá um certo desconforto o “pensamento único” da grande mídia e imprensa que a dá em franca recuperação. Vai demorar, talvez uns dois a três anos, para que isso se reflita, de fato, em condições de vida melhores no que pese um pequeno alívio que já trouxe a queda da inflação. Não nego que uma fase de “austeridade” era indispensável depois da farra dos dois últimos anos do primeiro governo Dilma, em particular da gastança de 2014 para a reeleição, essa vitória totalmente de Pirro do PT, obtida a todo custo sem medir consequências. 

 A própria Dilma, depois de ter pregado o contrário na campanha, desencadeou essa austeridade, no dia seguinte da reeleição e de forma super radical, foi o famoso cavalo-de-pau. A gestão Temer-Meirelles, pelo menos,  assumiu o que ia fazer e o fez conseguindo emplacar algumas reformas embora não a mais importante delas, a da previdência. Essa foi, em momento estratégico,  abatida pela operação Janot-Batista.

 No entanto, a austeridade de Meirelles é como ambulância dos paramédicos. Salvou o paciente mas em nada assegura sua saúde por vir. Aí entramos na discussão dos grandes fetiches econômicos, dos seus significados e desdobramentos. 

 Concordo que era indispensável devolver uma certa confiança ao mercado reduzindo o déficit público e as políticas de favorecimento dos “campeões”(tipo JBS)  pelo BNDES com juro subsidiado. Mas vamos parar de tantos fetiches com o déficit público. Tem que haver, é certo, uma sinalização de longo prazo –para o qual reformar a previdência é fundamental—mas estabelecer metas precisas do que seria o déficit correto pertence à arte da “chutometria aplicada”. Vamos admiti-lo.

 É frequentemente notado que, na verdade,  o nosso deficit  é da proporção do inglês, bem menor que o italiano, o japonês, o norte-americano. O  problema é  o nosso rating, dizem. As agências (que cometeram erros crassos e criminosos na crise de 2008 com os títulos imobiliários especulativos por elas premiados de AAA) tem “pinimba” com o Brasil por causa da moratória dos  anos 80. OK, então é uma questão política: temos que fazê-lo, não por que é “o indispesável”, economicamente mas porque as consequências de não fazê-lo seriam piores. Então por que não dizer  isso claramente em vez de criar essa falsa noção de que o “economicamente correto” é tanto de deficit?

 Por outro lado,  o que vem depois da “freada de arrumação da austeridade”? Qual nossa visão para o desenvolvimento econômico, no século XXI, na era das mudanças climáticas, da globalização, da multipolaridade, da revolução digital e da demanda por modelos sustentáveis? Silêncio ensurdecedor. \

 Meirelles como Dilma acredita no passado, num desenvolvimentismo dos anos 70, recauchutado. Sua visão é agrobusiness exportador, serviços, indústria automobilística e petróleo a ser subsidiado com 900 bilhões de reais até 2040. A diferença é o quanto gastar de recurso público para  obter ganho político. Uns vestem espartilho, outros babydoll.   

 Haverão outros caminhos? Talvez. Não há propriamente  o "certo" e o "errado" entre neoclássicos e neo-keynesianos, há circunstâncias onde cada uma dessas escolas está mais ajustada à conjuntura. Ambas já acertaram, ambas já erraram.   O debate econômico precisa sair desse Fla-Flu mas essa não foi a discussão de 2017 e talvez não seja a de 2018 porque são tempos regressivos, bicudos, botocudos e simplesmente não há clima, ainda,  para debate sério, só acusações, recriminações e denúncias. Pode mudar? 

Feliz 2018.

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