12/03/2016

Tempestade perfeita?




Na espera de mais um ciclo de manifestações anti-Dilma o desenlace da crise não parece nada evidente e o radicalismo que tomou conta dos dois lados nas redes sociais não augura nada de bom. As violências petistas contra a imprensa no dia da convocação de Lula, o tom geral da cobertura de mídia que começa a fugir do jornalístico e assumir um protagonismo político e a guinada extrema de segmentos do Ministério Publico que flertam com a instituição de um virtual estado de exceção, todas contribuem para exacerbar a crise política que combinada       à econômica e social tende a uma “tempestade perfeita”.  A crise econômica é talvez a pior da nossa história recente, o sistema político/partidário/parlamentar está em bancarrota e a crise social profunda apenas se esboça num ano em que teremos sobre nós os olhos do mundo.

Na Lava Jato é preciso separar duas coisas. A primeira é o aparelhamento criminoso das estatais e das posições de governo para gerar recursos para custear o hegemonismo do PT e sua ambição de permanecer indefinidamente no poder, à semelhança do PRI mexicano. Tal hegemonismo é necessariamente  caro.  Foram enormes os valores da roubalheira e maiores ainda os das políticas equivocadas e danosas destinadas a garantir  dividendos eleitorais e a  permanência a qualquer preço.  A reeleição de Dilma foi o grande exemplo.


  Esse foco é do Lava Jato é o  fundamental: desmontar o aparelhamento do Estado brasileiro por forças políticas –tanto no executivo quanto no legislativo--  e seus grandes esquemas de corrupção institucional. Os do PT e o do resto do establishment político/parlamentar.  A desmontagem disso já foi conseguida no âmbito da Petrobras e espera-se seja concluída e outras estatais e fundos de pensão. Enquanto esse for o alvo da Lava Jato estará cumprindo um papel muito importante para o país.

A Operação Lava Jato corre agora o mesmo risco de outros grandes processos moralizadores/punitivos da história. Iniciam-se justos e purificadores, com o tempo vão se radicalizando, sofrendo diversos tipos de uso político e terminam resultando algo diferente do que originalmente pretendido.  O fascínio do juiz Sergio Moro pela  operação Mani Pulite (Mãos Limpas),  na Itália,  é algo intrigante quando aprerciamos seus resultados finais. Levou à prisão de umas 3 mil pessoas ao desmonte do sistema partidário italiano do pós-guerra,  da Democracia Cristã em associação com partidos menores como o PSI (socialista, de Betino Craxi) o PR (republicano),o famoso centro sinistra,   e a oposição, relativamente  moderada do PCI (o comunista italiano, pioneiro do eurocomunismo e, afinal, meio social democrata).

 Ao final de todo aquele “ruído e fúria” –como diria Shakespeare—  da operação Mani Pulite o que surgiu no lugar?  Uma  nova estrutura de poder ainda mais corrupta cuja figura hegemônica foi o magnata Silvio Berlusconi  quem dominou durante quase duas décadas a política italiana com um grau de corrupção qualitativamente superior ao de Betino  Craxi que escapara para a Tunísia sob a proteção do amigo ditador Ben Ali, onde faleceu. Alguns protagonistas da operação  Maos Limpas, como o famoso promotor Antonio di Pietro,  ingressaram na política, com um saldo, afinal, medíocre e não isento de escândalos. Aquelas  características do investigador implacável  não necessariamente qualificam para o papel de parlamentar profícuo ou gestor público competente.

Os riscos

 A coisa corre o risco de degringolar quando o foco se torna o processo político, em si.  O processo investigativo vira um elemento propulsor para forçar uma solução que não se percebe bem qual seja para além da sistemática estigmatização  --fundamentada, talvez fundamentada ou não-fundamentada--  de  “vilões” que abastecem o noticiário midiático dia dia  hipnotizando o país. Fazendo-o monotemático.  Como se não tivéssemos problemas mais sérios, particularmente os econômicos,  para superar.

 Isso associado ao uso sistemático, abusivo, de instrumentos que deveriam ser excepcionais como prisões preventivas e delações premiadas que acabam criando uma dinâmica perigosa. Para escapar à prisão indefinida sem condenação, em condições degradantes e com uma enorme pressão os presos acabam “abrindo” tentando ao máximo agradar seus interrogadores para obter algum alívio, num processo que ressalvadas as diferenças lembra a eficácia da tortura que também é eficiente, mas a que preço? 

 Evidentemente esses expedientes permitiram que a Lava Jato, ao contrário de inquéritos passados, obtivesse êxito na revelação do Petrolão mas seria de grande imprevidência  não se  preocupar com os desdobramentos dessas formas expeditas que fogem muito aos critérios até hoje adotados pela justiça brasileira e tensionam de forma muito intensa preceitos alguns constitucionais  como a presunção de inocência e amplo direito defesa.

 A questão da prisão preventiva, por exemplo, vem fugindo totalmente aos cânones da justiça brasileira colocando inclusive uma diferença de comportamento dos acusados nesse caso com os de variados acusados  de crimes violentos Brasil a fora. Se qualquer um desses personagens presos seis, oito meses, sem condenação, nem em primeira instância, tivesse matado a mulher num “crime de honra”, atropelado fatalmente,  bêbado, cinco pessoas ou assassinado um desafeto numa briga de bar ou trânsito, dificilmente teria ficado em cana, preventivamente,  todo esse tempo. Num país de prisões  abarrotadas devemos pensar muito bem no que desejamos quando torcemos pelo aprisionamento  continuado de dezenas de pessoas que, caso culpadas, praticaram crimes  sérios mas  sem violência. Pessoalmente penso que salvo circunstâncias excepcionais é mais importante recuperar o dinheiro desviado  e fazer doer o bolso dos responsáveis  do que trancafiar por  longos períodos gente que não cometeu ato violento nem corre o risco de cometê-lo.

 Tenho essa posição, há muito tempo,  em relação a principal causa de abarrotamento das cadeias que é a prisão por trafico de drogas pequeno porte e desarmado e penso que se aplica, salvo situações excepcionais,  àquela delinquência não violenta.

O pêndulo (e a grana de Churchill)

Quando ouço agressivos argumentos a favor dessas prisões preventivas por tempo indeterminado   dizendo que essas objeções “legalistas” são simplesmente os artifícios para a  impunidade, chicanas de advogado,  me recordo daquele  velho filme policial, dos anos 70,  estrelado por George Peppard que,  creio, se chamava “O Pendulo”. O protagonista, policial, tinha ojeriza de um certo advogado, muito competente, que utilizava com maestria seus  recursos de defesa. Na sua visão ele era um arauto da impunidade dos bandidos. Uma bela noite o policial volta inopinadamente para casa de uma viagem abortada e ao entrar em casa encontra a esposa infiel  assassinada a tiros nua na cama com outro homem também morto. 

 O policial ao comunicar o achado é imediatamente preso pois, segundo todos os colegas, quem mais poderia ter crivado de balas, na cama,  o casal flagrado em adultério que não o próprio marido traído? Um crime de solução óbvia e ululante.  A primeira coisa que o personagem de Peppard fez  é chamar justamente "aquele" advogado o qual odiava e  cujo talento lhe permite permanecer em liberdade o tempo necessário  para elucidar o crime e descobrir o verdadeiro assassino, um bandido que ele prendera anos atrás e que ao ser solto resolvera vingar-se entrando em sua casa matando o que supunha  ser ele próprio com a esposa. De que lado pende certo o pêndulo? 

 O nosso “pendulo” que balançou para um dos lados para vulnerar a anterior  impunidade revoltante periga  agora balançar longe demais. Todo esse mais recente episódio envolvendo Lula parece ser um indício disso. 

  É plausível se supor que o ex-presidente soubesse e seja de fato o mandante do esquema do Petrolão e em outras  estatais e fundos mas, por enquanto,  não há provas nem, nem sequer, até onde percebo, sólidas  evidências disso. A suposta delação do senador Delcídio Amaral apesar de aportar acusações por aí não parece conter essas  provas ou evidências, pelo menos até onde se conheça. 

 No bombardeio acusatório do MP e da grande mídia essa lacuna  é amplamente compensada por um  foco obsessivo no apartamento de Guarujá, no sítio usufruído pela família do ex-presidente,  nos pagamentos das suas palestras e no favorecimento de negócios no exterior das empreiteiras.

 As palestras --se de fato realizadas--  e a intermediação de negócios, no exterior,  para grandes empresas brasileiras dificilmente configuram crime embora em certos casos apontem para ligações  políticas  questionáveis e  relações promíscuas com governantes autoritários e cleptocratas da pior espécie.  Mas será tão diferente das milionárias palestras de Bill Clinton, dos altos negócios de Gerhard Shroeder com a Gasprom russa e de dezenas de outros arranjos de ex-chefes de estado com empresas? 

 Quanto ao sítio, apartamento e despesas de mudanças de armazenamento de arquivos, pode eventualmente levantar questões éticas mas dificilmente resultará numa condenação criminal.  Teria que haver claramente uma prova de que àqueles favores foram prestados em troca de decisões específicas que  favoreceram ilegalmente nesta ou aquela empresa em matéria bem identificada.

  Há uma longa história, no Brasil e noutros países, institucionalmente mais avançados, de ex-chefes de estado recebendo favores ou agrados de empresários ou pessoas ricas por admiração, estima ou reconhecimento que não configuram crime embora possam ser politicamente  ou eticamente questionáveis.  Nesse particular Lula está longe de desacompanhado. Muito recentemente em deparei com uma que vou tomar a liberdade de reproduzir pois envolve um dos maiores estadistas do século XX.

No último número da revista The Atlantic há uma resenha do livro “No More  Champagne: Churchill and His Money” de David Lough que trata da relação de Winston Churchill  com o vil metal. Desde a juventude ele   era bastante  perdulário, sistematicamente gastava muito mais do que ganhava ou possuía.  Era tido como rico de berço mas, na verdade,  seu ramo dos Churchill era o menos abastado da aristocrática família.  O futuro duas vezes primeiro ministro e doze vezes ministro era, quando muito, remediado. Cultivava uma imagem de refinamento e de opulência que lhe permitia se endividar e “rolar”  as dívidas. Foi assim durante décadas. Ele gostava de luxos diversos, passeios de iate, roupas, charutos  e bebidas caras e morava bem muito acima de suas posses. Também gostava de jogar. Um momento particularmente delicado de suas agruras financeiras foi justamente quando ele assumiu o cargo de primeiro-ministro, pela primeira vez, em plena guerra. Ele devia o que hoje corresponderia a 3.7 milhões de dólares.

  Em diversas ocasiões Churchill foi “ajudado” por amigos ricos e admiradores,  da indústria e do setor financeiro,  como Sir Ernest Cassel e Sir Henry Strakosch. Cassel financiou sua famosa biblioteca e o salvou de uma operação imobiliária desastrosa, no pós I Guerra. Strakosch segurou as despesas entre 1930 e 1940. Ajudou-o com suas dívidas. Não era propriamente uma segredo e a propaganda nazista chegou a acusa-lo por conta disso de “estar no bolso do judeu Strakosch”. Anteriormente, nas eleições de 1923, seus adversários trabalhistas usaram copiosamente o fato dele ter recebido mal explicadas 50  mil libras de Cassel. Lough sustenta no seu livro que nunca apareceu nenhuma contrapartida específica como gestor público na qual favorecesse esses amigos e que em algumas ocasiões Churchill contrariou seus interesses econômicos. Ele simplesmente parecia considerar que haja vista sua estatura histórica isso lhe era devido.

 Na parte final da II Guerra, Churchill superou definitivamente suas agruras financeiras com  polpudas receitas sobre direitos de imagem dos documentários e  e filmes em que era personagem e também direitos autorais relativos aos seus muitos  livros. Lough afirma que ao deixar o cargo ele levou consigo enormes arquivos do tempo de guerra, 68 caixas, que a princípio seriam propriedade do governo de sua Majestade. 

 Outra figura histórica beneficiária de favores de amigos ricos foi o presidente de Israel, Ezer Weizman, herói de guerra, falecido em 2005. Ele foi atormentado, no final da vida,  por causa de doações não declaradas de ricos admiradores. Renunciou à presidência, em 1999,  mas não foi processado. Nem falemos de John Kennedy! Esse era riquíssimo de berço mas ainda assim, se acreditarmos  no livro The Dark Side of Camelot, do famoso jornalista investigativo Seymour Hersh,   compartilhou uma amante com o capo mafioso Sam Giancana, Judith Campbell Exner,  que, certa feita,  ter-lhe-ia entregue, na Casa Branca, uma mala cheia dólares para o caixa 2 de uma campanha eleitoral dos democratas. Kennedy teria agradecido e colocado no armário. Custa um pouco acreditar nisso e a credibilidade de Hersh nem sempre é inquestionável. Recentemente,  foi muito contestado seu "furo" com a versão de que a morte de Osama Bin Laden fora combinada com os paquistaneses. De qualquer modo,  para além do folclórico episódio da mala de Judith,  é certo que a máfia pesou fortemente na decisiva vitória de Kenedy sobre Nixon, em 1960, no estado do Illinois,  que permitiu sua estreita vitória naquela eleição presidencial. Das teorias conspirativas sobre seu assassinato a que reputo a mais plausível foi a de uma vingança da máfia quando passou a ser perseguida pelo então ministro da justiça Robert Kennedy, com respaldo do irmão.

 Depois de toda essa digressão, regressemos aos pedalinhos do nosso ex-presidente. Essas situações, bem mais fáceis de evidenciar do que um eventual “batom na cueca” dele no  Petrolão  parecem, até agora, muito mais do domínio da política do que algo passível  de condenação criminal soba égide  da presunção de inocência e do in dubio pro reo coisa que os promotores do MP paulista não levam em conta ao solicitarem sua prisão provisória com uma fundamentação assombrosamente  frágil e alguns aspectos francamente  hilários: consegue-se imaginar Lula se “evadindo”? De burca, será???

Claro que não.  Estão simplesmente fazendo política se vendo como os futuros Di Pietro brasileiros.

Há saída?

 O foco não é Lula, é Dilma. A crise econômica provavelmente acabará determinando algum desfecho. Apesar de todas as revelações e ainda que haja manifestações muito expressivas  e do PMDB estar, como diria o velho Brizola "ombreando o alambrado" não parece ainda haver  número de parlamentares suficientes para o impeachment    --talvez por isso parecem priorizar, no momento, a caça ao Lula. A hipótese da anulação das eleições de 2014 pelo TSE parece ainda mais remota pois seu timing é problemático. Cabe recurso ao STF e se o desenlace de der no próximo ano enseja uma eleição presidencial indireta, pelo Congresso.

O que nesse momento seria mais interessante para o PT e Lula?  Do ponto de vista estratégico, possivelmente uma renúncia de Dilma ou um rápido impeachment colocando o abacaxi da crise econômica nas mãos de uma provável aliança do PMDB com os tucanos. Possibilitaria ao PT deter a sangria e fazer o que os franceses chamam de une cure d’oposition (uma terapia de oposição).  Uma oportunidade para PT  de voltar a jogar no ataque com  manifestações e greves contra o neoliberalismo.  Talvez, até 2018, o desgaste  de Lula possa se reduzir bastante.

 Por outro lado uma saída de Dilma possivelmente  permitiria uma recuperação mais rápida da economia. Um dos grandes problemas dessa crise é o fato dos remédios neokeynesianos não poderem ser aplicados pelo nível de comprometimento das contas públicas já que o abuso desses mesmos remédios,  fora de qualquer limite razoável,  no afã de ganhar as eleições em 2014,  foi justamente o que levou o país a esse buraco. 

 A recuperação, pelo menos num primeiro momento teria que vir de um “choque de confiança”  num momento em que há capitais internacionais abundantes disponíveis e o real desvalorizado torna o investimento no Brasil atraente, desde que haja um mínimo de confiança. Com Dilma não haverá. Sem Dilma poderia eventualmente surgir uma janela de oportunidade para reformas, inclusive a inevitável da Previdência. No entanto,  o grande  problema do PT é largar o osso, deixar a “companheirada”   sem os  carguinhos federais, assim ao relento. Do jeito que ficou a política brasileira – e notadamente a de “esquerda”--  é algo a ser evitado com unhas e dentes. Então teremos mais quase 3 anos de Dilma? Sangrando? Seria o desfecho mais lógico analisadas friamente as opções. 

 Acontece que a crise já criou vida própria e não depende mais da vontade de ninguém. O lógico não mais se aplica porque diante do esfacelamento e da falência do estamento político a crise econômica e social vai virar o motor dessa história de rumo imprevisível. Será como uma catástrofe natural, tipo um tufão com seu próprio tempo de passagem. Seu olho ainda não é visível. O que vai restar e resultar menos ainda.

3 comentários:

  1. Sempre fui simpatizante do seu trabalho, mas vejo que desconhece a Lei internacional anti trust, e receber presentinhos luxuoso de fornecedores é crime. A corrupção é a Mãe de todos os crimes.

    ResponderExcluir
  2. Você fala dos favores recebidos por Churchil,Kennedy,favores em dinheiro Não tenho nada contra favores mas contra a acumulação da riqueza produzida por muitos que permanecem na miséria Na manifestação de hoje(dia 13)o que me chamou a atenção foram os garis Limpar aquela sujeira toda Meu Deus...

    ResponderExcluir
  3. O foco não é Dilma e sim a suposta eleição de Lula.

    ResponderExcluir