14/05/2011

Código Forestal & colunistas


Tive uma intensa troca de e-mails com colunistas do Globo, Estadão e Folha sobre o Código Florestal e o episódio de baixaria na votação frustrada de quarta-feira. Merval Pereira que havia na véspera dado a palavra à senadora Kátia Abreu teve a correção e a gentileza de me conceder o mesmo espaço, no dia seguinte. Publico aqui a íntegra do e-mail que lhe enviei. Abaixo os que mandei para Dora Kramer e Renata Lo Prete. 

Caro Merval:

 Depois de ouvir atentamente a senadora Katia Abreu porta voz dos ruralistas, algumas observações ambientalistas que peço leve em consideração.

  O discurso Katia-Aldo é um fog of war : uma névoa proposital que encobre os interesses ruralistas por trás de um discurso supostamente a favor dos “pequenos”. A questão da agricultura familiar e da pequena propriedade que produz alimentos e das culturas de  arroz, maça, etc...sobretudo no sul, já estão resolvidas há semanas!  Há consenso entre os ambientalistas que devam ficar de fora daquelas exigências. O problema é que Aldo   tenta permitir aos grandes, acima de quatro módulos fiscais,  se beneficiar da isenção de recuperação das APP e Reservas Legais ardilosamente, via desmembramentos ou permitindo aplicar  essa isenção até quatro módulos fiscais a propriedades maiores. Tanto que na última versão desapareceu a referência a data a partir da qual não seriam  permitidos desmembramentos de terras que pudessem servir a essa finalidade. Parecida com essa havia pelo menos doze de “pegadinhas” e casuísmos no texto.

 De fato seria perfeitamente possível um Código Florestal equilibrado integrando bem agricultura, produção de alimentos com a defesa e recomposição de matas ciliares e de encostas tão fundamentais para prevenir tragédias como as do Rio, recentemente, e Santa Catarina, já duas vezes.  O grande obstáculo tornou-se a total parcialidade do relator Aldo Rebelo que abandonou qualquer veleidade de isenção para adotar  postura  facciosa na elaboração dos seus relatórios e, sobretudo,  no discurso sectário de desqualificação dos ambientalistas que absurdamente coloca “à serviço da agricultura francesa e norte-americana”  ressuscitando um discurso antigo da extrema-direita militar, nos anos 80. Aldo virou La Passionária dos ruralistas.

 Qual nosso objetivo? No marco é um "superávit florestal": garantir que daqui para frente se refloreste significativamente mais do que se perdeu em desmatamento nos anos recentes. No plano micro a recomposição das matas ciliares, faixas de proteção dos rios e encostas em zonas de risco para impedir novas tragédias como Friburgo ou Teresópolis. Gostaríamos de construir uma nova lei florestal clara, simples, sem “pegadinhas” que dê segurança jurídica a todos. Defendemos a criação de mecanismos econômicos para estimular a recuperação ambiental como  possibilidade dos produtores rurais pagarem parte de sua dívida para com bancos oficiais em reflorestamento e o governo brasileiro recuperar isso atraindo créditos de carbono. Com a dificuldade que os EUA e a China terão nas próximas décadas para reduzir suas emissões provenientes de suas termoelétricas a carvão (respectivamente 50% e 80% da sua geração) sua única saída será compensa-las. O Brasil está particularmente bem posicionado para receber elevados recursos para reflorestar e para manter de pé suas florestas.  Reflorestar e manter florestas precisa ter valor econômico,  virar um bom negócio e o Código Florestal precisaria tratar disso também. 

 O que os ruralistas querem é fazer valer o princípio da consolidação de desmatamentos passados prometendo preservação no futuro. Mas isso fica ameaçado pelas várias modalidades de anistia aberta ou tácita que buscam via Aldo. A impunidade do "pra trás"  promete desmatamentos para frente. No Brasil desmata-se ilegalmente. Não há como fiscalizar, controlar ou reprimir tudo. É uma questão de sinalização. Se sinalizamos que um devastador sempre poderá, no futuro, se livrar de punições e obrigações de recuperação, estamos fritos.

 Finalmente: naquela última versão do relatório uma das pegadinhas mais graves é a que torna praticamente inócua a principal arma que tem permitido, nos últimos anos, fazer cair dramaticamente o desmatamento na Amazônia. A suspensão do acesso ao crédito dos bancos oficiais ao proprietários que sofreram embargo por desmatamento ilegal. Isso vem funcionando muito melhor do que multas do IBAMA que eles empurram com a barriga e não pagam. No texto Aldo criou chicanas que tornam o dispositivo virtualmente inaplicável.

Abraço do leitor fiel


O e-mail para Dora Kramer

Querida Dora:

Algumas observações sobre sua coluna.

O texto do novo relatório Aldo foi de fato alterado em menos de uma hora entre a versão que recebemos --depois de quase 12 horas de debate sem ele-- para votar de afogadilho e o que foi a plenário. Só para citar uma das "pegadinhas": onde estava "recomposição" passou a ler-se "regularização" e por aí vai. Na semana anterior havíamos detectado 12 "pegadinhas" e casuísmos. Aldo Rebelo como relator comportou-se sem a menor isenção quer na elaboração do texto quer no discurso, sempre agressivo e desrespeitoso com os ambientalistas. Naquela noite, por exemplo, acusou-nos de estar "a serviço da agricultura francesa e norte-americana" e por aí vai.

 O tweet da Marina limitava se a observar que havia pegadinhas e perguntar como poderia-se votar aquele texto. Você pode verificar isso facilmente. Em nenhum momento houve a acusação que Aldo alegou na sua falsa vitimização. Marina em nenhum momento o acusou de ter fraudado ao que quer que fosse.  

 A acusação que ele fez ao marido de Marina foi de fato canalha. Ele sabia perfeitamente que era falsa. Não teve coragem de atacar o PT que ao perceber a mudança desistiu de votar naquela noite.  Para manter sua liderança junto aos ruralistas sem romper com o governo decidiu covardemente extravasar contra Marina.  

A acusação contra o Fábio Vaz surgiu pela primeira vez no auge da ofensiva de Marina, então ministra, contra o desmatamento. A acusação e a tal audiência na Câmara foram uma represália política --aliás, você sabe que há 14 deputados e 3 senadores com autuações por agressão ambiental?-- o Aldo na época dispensou o depoimento do Fábio porque todos perceberam que aquilo era um completo nonsense politicamente urdido.

 Posso de garantir, a história é totalmente furada!  Fica como uma versão vaga no ar que vez e outra é requentada naquele estilo Goebbels (minta, minta que sempre sobra alguma coisa no ar).

 Como coordenador da campanha da Marina acompanhei quando ela foi requentada pela penúltima vez, pela internet, suspeitamos pelo PT. Seria de fato um "prato" durante campanha presidencial.  Assim  vários repórteres (me lembro de uma da Folha, especificamente) correram atrás da história e todos apuraram que não havia nada. Imagina se houvesse alguma coisa iriam perder uma matéria dessas em plena campanha presidencial? 

Apure e voce verá que é um hoax total. 

bj

Para Renata Lo Prete do Painel da Folha de São Paulo

Querida Renata:

Dois reparos a notas hoje.

1 - O PV divulgou sim uma nota de desagravo a Marina que é a seguinte:

NOTA DE DESAGRAVO
 Ontem este Plenário foi palco de uma situação aviltante para esta Casa. O Relator do projeto que altera o Código Florestal, o Deputado Aldo Rebelo, fez uma acusação caluniosa e injusta a uma das pessoas de maior respeitabilidade nesse País – a ex-senadora e ex-ministra Marina Silva.
 Na verdade, o Deputado foi duplamente injusto. Primeiro, acusou Marina Silva de usar seu twitter para dizer que o Deputado Aldo Rebelo havia fraudado o seu relatório. É uma inverdade. O Deputado foi mal informado. Marina disse que ele havia apresentado seu relatório e que nele havia “pegadinhas”. Em momento algum referiu-se a fraude. E ela tinha toda a razão. Havia pegadinhas, sim. Não apenas uma, mas várias, como troca de palavras para induzir esse Plenário a erro e desaparecimento de artigos inteiros.
 Porém, o mais grave veio a seguir. O Deputado Aldo Rebelo, em uma demonstração de desequilíbrio e falta de preparo para o exercício de função tão importante, acusou o marido de Marina Silva de “fraudar o contrabando de madeira”. Mais uma inverdade. E pior, nesse caso ele não foi mal informado por assessores ou qualquer outra pessoa. Ele sabe que não é verdade.
 Quando Marina Silva era Ministra do Meio Ambiente e combatia corajosamente o desmatamento ilegal da Amazônia e os crimes ambientais em todo país, foi alvo de calúnias, denúncias vazias e dossiês apócrifos, por parte daqueles que eram punidos pela ação do estado. O objetivo dessas ações era deter Marina Silva e parar o trabalho de investigação e combate a tais crimes. Na maioria dessas investidas, buscava-se envolver o nome do marido da ex-senadora. Um exemplo disso foi a tentativa de distorcer uma ação exemplar de destinação de centenas de toras de mogno apreendida, que Marina Silva comandou, quando Ministra do Meio Ambiente, logo no início de sua gestão.
 O Ministério do Meio Ambiente havia feito um convênio com uma entidade da sociedade civil, a FASE, para dar destinação ao mogno apreendido na gestão anterior. Convênio aprovado pelo Ministério Público e chancelado por um Juiz Federal, pois a apreensão estava ajuizada. Com os recursos obtidos com a comercialização da madeira foi criado um Fundo que apoia projetos socioambientais na Amazônia. A comprovação da correta destinação dos recursos está disponível na internet para o escrutínio de todos e conta ainda com o permanente acompanhamento do Ministério Público Federal.
 E o que o marido da Marina, Fabio Vaz de Lima, tinha com esse caso? Nada, absolutamente nada. Acusaram-no de participar indiretamente desse convênio como Secretário Executivo do GTA – Grupo de Trabalho Amazônico, uma rede de mais de 600 entidades da Amazônia à qual a FASE é ligada. Mas o marido da ex-Ministra, já havia deixado a instituição há quatro anos.
 Denúncia vazia, covarde, feita por criminosos que queriam vingança contra quem comandava a ação do Estado para impor a Lei. Jornalistas investigativos de renome na mídia nacional foram apurar esses fatos à época e ficou evidente que a acusação era infundada. E o Deputado Aldo Rebelo sabia, pois, quando esses mesmos criminosos tentaram levar essa calúnia à CPI da Biopirataria, todos os fatos foram a ele relatados, como Líder do Governo à época, para evitar que esta Casa fosse usada para a ação de vingança de criminosos.
 Portanto, Sr. Presidente,  a bancada do PV quer deixar registrado esse Ato de Desagravo à ex-Senadora e ex-Ministra Marina Silva, atacada covardemente contra o que ela tem de mais caro – a sua honra. Entendemos que o ataque desferido por Aldo Rebelo contra a honra de Marina Silva e seu esposo atinge também a todo homem e mulher de bem de nosso país, todos que prezam e defendem a ética e a justiça nas relações humanas e, sobretudo, no espaço da política e da atuação do Estado. Portanto, nossa iniciativa não se destina a desagravar apenas essas duas pessoas, mas valores e princípios que devem ser a base de toda nossa organização social.
 Bancada do PV na Câmara dos Deputados Partido Verde

2 - Ela reagiu, sim. Eu estava a poucos passos de Marina quando foi feita a acusação. Marina gritou várias vezes: "é mentira!" 

De fato, dupla mentira:

 1 - Ela não colocou no twitter aquilo que Aldo a acusou. Ele já reconhece isso hoje na própria Folha. 

2 - Toda história sobre o marido dela é um hoax repugnante, já totalmente esclarecido e devidamente eliminado durante a campanha mas que à boa maneira Goebbels requentam volta e meia apostando na limitada memória jornalística nesses casos. Durante a campanha a Folha escalou uma repórter que apurou tudo e concluiu que era uma pauta furada. 

bj

Um comentário:

  1. O BOSQUE

    (antiga narrativa afegã – séc. XIII)



    Paramos para descansar da longa caminhada em uma pequena clareira no alto da montanha. Meu amigo, um estudioso da natureza da vida, comentou:

    - Olhe os pinheiros. Alguns são pequenos, outros grandes. Alguns enraizaram-se bem, outros se dobram debilmente. Há os que, sem razão aparente, têm seus galhos danificados.

    - Será que podemos aprender algo com eles? - perguntei.

    - Às vezes me pergunto se os altos não são os que parecem carregar dentro deles um alento, uma certa aspiração - ele respondeu, meio para si mesmo.

    - Todas as sementes obtêm sucesso?

    - Não é assim na natureza.

    - Os pequenos são melhores que os altos?

    - Algo pode ser pequeno por herança, por falta de uma oportunidade, por falta de nutrição ou por seu próprio desejo - ele falou.

    - E os pinheiros que estão bem enraizados?

    - Tudo depende de sua natureza e do esforço que suas raízes fizeram para obterem nutrição. Alguns que estão bem enraizados estão assim não por uma real necessidade, mas por uma avarenta voracidade em consumir. Às vezes são os primeiros que os lenhadores cortam para usarem como lenha...

    P.S.: Prezado Alfredo, para o assunto que nos motiva a escrever – a revisão do Código Florestal –, uma leitura possível dessa pequena história (dentre tantas outras) é pensar os pinheiros como uma metáfora dos seres humanos e os lenhadores como uma metáfora dos eventos naturais...
    RESISTIR PARA EXISTIR!
    Abs. Monica

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